É comum entre aqueles que se
envolvem com a problemática ecológica citar outras sociedades como modelos de
relação entre os homens e a natureza. As comunidades indígenas e as sociedades
orientais são, via de regra, evocadas como modelos de uma relação harmônica com
a natureza. Se em diferentes religiões o paraíso é projetado nos reinos dos
céus, para diversos ecologistas este se localiza em outras sociedades. Há uma
virtude nesse procedimento: ele oferece um consolo, enquanto ideia, para o mundo em que vivemos – que
concretamente não tem consolo. Isto não deixa de ser, à sua moda, uma crítica à
sociedade que não é tal e qual os modelos citados, daí as utopias. Nesse
sentido, as utopias têm um lugar concreto num mundo onde não existem
concretamente, sendo por isso sonhadas e projetadas enquanto utopias. Por outro
lado, esse procedimento não deixa de ser também uma fuga dos problemas
concretos, muitas vezes derivada de uma incompreensão das razões pelas quais em
nossa sociedade e cultura as coisas são do jeito que são.
Toda
sociedade, toda cultura cria, inventa, institui uma determinada ideia do que
seja a natureza. Nesse sentido, o conceito de natureza não é natural, sendo na
verdade criado e instituído pelos homens. Constitui um dos pilares através do
qual homens erguem as suas relações sociais, sua produção material e
espiritual, enfim, a sua cultura.
Dessa
forma, é fundamental que reflitamos e analisemos como foi e como é concebida a
natureza na nossa sociedade, o que tem servido como um dos suportes para o modo
como produzimos e vivemos, que tantos problemas nos tem causado e contra o qual
constituímos o movimento ecológico.
(Adaptado de GONÇALVES, C. W. P. Os (des)caminhos do meio ambiente. 14.
ed. São Paulo: Contexto, 2006. p. 23-24, grifos do autor).